Literatura, Pintura

Orpheu | Um século depois do manifesto Modernista em Portugal

25 Mar , 2015  

Faz hoje cem anos que foram publicados os dois primeiros números da Revista Orpheu. Os rebeldes ou loucos autores, mas afinal geniais, Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa e Almada Negreiros, juntamente com outros, viriam a ser a geração d’Orpheu. Geração esta que alavancou o Modernismo em Portugal, como só eles podiam ter feito.

 

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A crítica não foi meiga com esta publicação e com os artigos nela impressos, e a revista não foi além do terceiro número anos mais tarde, mas o efeito que teve na cultura nacional foi irreversível e digno de agradecimento eterno.

 

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Composta por vários textos e desenhos, há um poema que se destaca: “de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a «Ode Triunfal» de Álvaro de Campos — a Ode com esse nome e o homem com o homem que tem”. É assim que Pessoa descreve a Ode Triunfal, que faz parte da publicação que iria mudar o panorama das artes em Portugal e não só, já que esta publicação era luso-brasileira, noutro tempo, em que estas parcerias faziam sentido e davam bons resultados, ao contrário de certos “acordos” (pseudo-ortográficos).

 

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Orpheu deu frutos, mas chega a 2015, num cenário triste em que Portugal, é um país onde a Arte está abandonada e desvalorizada, onde continua muita das vezes a sobreviver à custa do mecenato, onde o Ministério da Cultura é um mito, e onde muita gente sabe quem é o vencedor da “casa dos degredos”, mas desconhece quem foi Almada ou Sá Carneiro.

 

Deixo-vos um pequeno excerto da Ode Triunfal para assinalar a data, e relembrar, que foram portugueses, como nós, que marcaram o país e o mundo e não cruzaram os braços… Parabéns Orpheu!

“(…)

Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-la-hó la foule!

Tudo o que passa, tudo o que pára às montras!
Comerciantes; vadios; escrocs exageradamente bem-vestidos;
Membros evidentes de clubes aristocráticos;
Esquálidas figuras dúbias; chefes de família vagamente felizes
E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete
De algibeira a algibeira!
Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa!
Presença demasiadamente acentuada das cocotes;
Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?)
Das burguesinhas, mãe e filha geralmente,
Que andam na rua com um fim qualquer,
A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos;
E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra
E afinal tem alma lá dentro!

(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!)

A maravilhosa beleza das corrupções políticas,
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,
Agressões políticas nas ruas,
E de vez em quando o cometa dum regicídio
Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus
Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana!

(…)”

Álvaro de Campos

 

Cátia Marcelino

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